Placemaking criativo: se essa rua fosse minha
- Clarice Mendonça
- 2 de fev. de 2023
- 5 min de leitura

Se essa rua se essa rua fosse minha
Eu mandava, eu mandava ladrilhar
Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes
Para o meu, para o meu amor passar
Inspirado no trecho dessa cantiga popular infantil, com um olhar carinhoso sobre a rua e sobre as pessoas, fica mais fácil compreender um conceito que tem sido cada vez mais difundido a partir de muitas iniciativas de planejadores urbanos e incorporadores: placemaking.
O placemaking é um processo colaborativo para a formação de um lugar, onde as pessoas se sentem conectadas e pertencentes a uma comunidade. Por isso, sempre falo que a base do placemaking, pela minha vivência ao longo desses 15 anos de desenvolvimento do bairro Cidade Criativa Pedra Branca (criado há duas décadas em Palhoça, na Grande Florianópolis), é o senso de comunidade.
Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), mais da metade da população mundial vive em cidades atualmente. Até 2050, a perspectiva é que esse percentual chegue a 70%. Considerando isso, não há mais como pensar em projetar lugares sem levar em consideração o modo de viver em ambientes urbanos.
Criar ambientes urbanos acolhedores, que transformam espaços públicos em pontos de encontros, que estimulam a liberdade de ir, vir e ficar, que promovem conversas inesperadas, trocas de sorrisos com conhecidos ou estranhos, que provocam o sentar e observar o movimento. Lugares que sejam verdadeiras salas de estar urbanas, com caráter inclusivo, receptivo. Lugares que se conectam em diversos momentos do dia com as pessoas, com momentos mais silenciosos, como o amanhecer do dia e as pessoas caminhando com seus pets, ou no meio do dia, com pessoas indo almoçar e levar seus filhos pequenos na escola.

Foto do arquivo Pedra Branca. Local: @passeiopedrabranca
Lugares são como pessoas, como escreveu o arquiteto e urbanista Maurício Duarte Pereira, no livro Placebranding, de Caio Esteves, Global managing partner of placemaking na Bloom Consulting. Para formar lugares mais vibrantes e criativos, é preciso mapear as potencialidades e os anseios coletivos, para transformá-las em ambientes urbanos agradáveis. Esse pensamento permeia uma série de especialidades, e a inteligência de cruzar e integrar esses múltiplos conhecimentos, é que vão tornar mais rica a concepção de um lugar.
Para pensar cidades pela escala humana, arquitetos, urbanistas, engenheiros, placemakers, comunidade, instituições locais precisam ser envolvidas em processos colaborativos, para coletar insumos. Para cidades existentes, observar é a primeira e melhor maneira de entender o lugar. É preciso viver o lugar, sentir a vibração para compreender como as coisas funcionam.
Na Cidade Criativa Pedra Branca, o meu trabalho está bastante voltado para o placemaking criativo. Segundo Jason Schupbach, Diretor dos Programas de Desenho do Fundo Nacional das Artes (NEA) - uma agência nacional estadunidense que financia projetos de arte pública criados por organizações cidadãs - “o placemaking criativo possibilita aproveitar os lugares públicos, usando-os como suporte para intervenções urbanas e festivais onde as pessoas possam se relacionar. Desse modo, pode-se fortalecer o sentido de permanência em uma comunidade e, assim, a identificação com um bairro ou cidade, com o objetivo de criar lugares mais coesos, saudáveis e resilientes."
A partir dessa conceituação, posso dizer que encontrei um sentido ainda maior para o meu trabalho ao longo do desenvolvimento do bairro Cidade Criativa Pedra Branca. É claro que ninguém faz nada sozinho e se assim fosse, nem seria placemaking. Portanto, o fato de morar e trabalhar há 15 anos no bairro, acompanhando de perto e participando do desenvolvimento deste lugar, potencializou a minha conexão com as pessoas. Com meu próprio senso de pertencimento, comecei a interagir com a comunidade local, lojistas, moradores, empresários, pessoas de órgãos públicos e outros interessados em fomentar a economia local. Desenvolvemos agendas culturais e abrimos espaço para que iniciativas locais também pudessem ser exploradas.

Foto: Arquivo Pedra Branca. Na imagem, artista em evento de Natal no @passeiopedrabranca.
Ao longo desses 15 anos que trabalho no Grupo Pedra Branca, eu e a equipe realizamos mais de 1.000 eventos, entre eles ações pequenas, para poucas pessoas, até projetos mais ousados que atraíram mais de 15 mil pessoas. A formação cultural local foi sempre nosso grande objetivo, ver as pessoas que moram no lugar, prepararem-se para as apresentações de palco na comunidade. Eu poderia elencar vários momentos em que me emocionei por ver esse sonho realizado, através do meu trabalho e por ver meus filhos no palco. Mas o grande aprendizado é o envolvimento de diferentes pessoas na concepção dessas ações. Realizamos encontros com empresários locais (lojistas), abrimos espaço para moradores, escolas, instituições para que façam ações no local. Procuramos conduzir os diferentes interesses, sempre priorizando o bem-estar do morador, pois se é bom para o morador é bom para o turista ou visitante.

Foto: Arquivo Pedra Branca. Evento realizado por escola de dança do bairro Pedra Branca, Palhoça, SC, Brasil.
Para formar um lugar vibrante, você precisa de pessoas, pois a vibração são as pessoas. Para ter sentido de lugar, as pessoas precisam se sentir parte desse lugar. Promover lugares que as pessoas queiram ir e queiram permanecer e depois, queiram voltar. A partir disso, realizar ações de engajamento em que as pessoas sintam-se mais ativas e envolvidas. Boas conversas, com escuta ativa a novas ideias e pequenos fomentos, podem trazer resultados incríveis para o ambiente urbano. Torná-lo acessível a qualquer pessoa, explorar a criatividade da cidade. Pensar em como tornar os lugares atrativos para as pessoas.
“A vibração é uma qualidade dos bairros ou cidades nos quais há uma arte ou uma ‘cena’, uma porção de restaurantes e mercados de um determinado tipo intelectual, arquitetura emblemática que registre a vida de outra forma e um público de gente próspera que está interessado em todas essas coisas”. Thomas Frank, analista político, historiador, jornalista e colunista do Salon.
Portanto, sempre considerei que “essa rua era minha”, conectando com o trecho no qual iniciei esse texto, e consegui experimentar muitos formatos criativos de ocupá-la. Eu acredito no poder transformador da arte, na estética das coisas, no ambiente urbano moldando o comportamento das pessoas. Vi isso acontecendo em inúmeras situações.

Foto: Arquivo Pedra Branca. Balé aéreo, evento aberto e gratuito a toda comunidade do bairro Pedra Branca, em Palhoça, SC, Brasil.
Minha provocação e convite é para que as pessoas façam a cidade melhor. Portanto, cada pequena ação desenvolvida em prol de uma comunidade mais amigável, mais confortável, mais integrada, você está fazendo o papel de um placemaker, um agente de mudança e transformação de um lugar.
E para empresários, que desenvolvem projetos de comunidades planejadas, o que eu diria é para embrenhar-se na cultura local. Identificar lideranças, fortalecer a sua rede de forma legítima, colocar esforço em estar presente e ver com seus próprios olhos o que acontece no lugar, viver a sensação única e indescritível de estar em meio àquilo que projetou, pois o melhor recheio de um projeto urbano são as pessoas. Nenhum artigo descreve a vibração de pertencer a algo tão incrível.

Foto: Arquivo Pedra Branca. Evento no @passeioprimavera em Florianópolis, SC, Brasil.
Em resumo, eu diria que formam um bom mix: a concepção do lugar com foco nas pessoas, com uso misto, calçadas abundantes, prédios sem muros e que conversam com as ruas, praças com lugares para brincar e sentar, com sombra e com sol, entre outras características estruturais. Em sequência, atrair e desenvolver lideranças com perfil autêntico e transformador, que sintam correr nas suas veias o desejo de fazer lugares com alma, com movimento, conexões, multiplicidade de olhares e diversidade de pessoas. A partir de então, desenvolver ações e eventos que atraiam as pessoas, que estimulem nelas o desejo de permanecer e a vontade de retornar. E, em consequência, que as pessoas tenham vontade de se envolver, por sentirem-se pertencentes a uma comunidade. Fortalecer a rede local e potencializar o lugar. E, para fechar, desenvolver uma boa gestão de lugares, que mantenha tudo sempre limpo, organizado, com aquele senso de “mandar ladrilhar com pedrinhas de brilhantes”, que significa atenção e carinho com os detalhes.

Foto: arquivo pessoal. Meu filho chega na Praça para brincar e não quer mais ir pra casa, pois faz novos amigos a cada dia. Local: @passeiopedrabranca
Algumas fontes de pesquisa para escrever o texto acima:
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